PROCRASTINAÇÃO
Às vezes, a gente
vive como se tivesse um estoque infinito de horas. Vamos empilhando adiamentos
como quem guarda caixas no sótão, dizendo para nós mesmos: “mais tarde eu abro,
mais tarde eu vejo, mais tarde eu vivo”. E assim a vida vai virando um eterno
“depois”.
Mas o depois é uma
ilusão confortável. Ele nos dá a falsa sensação de que temos domínio sobre o
tempo, quando na verdade é ele que nos domina. Vamos deixando telefonemas para
depois, visitas para depois, um abraço para depois. Deixamos aquele café com um
amigo para depois, aquela palavra de gratidão para depois, o gesto de amor para
depois. E, quando percebemos, o depois se transformou em nunca.
A procrastinação,
essa arte tão disfarçada de racionalidade, parece inofensiva. “Vou fazer quando
estiver mais tranquilo”, “quando sobrar tempo”, “quando as coisas acalmarem”.
Só que esse tempo sereno que esperamos nunca chega. O mundo nunca para de girar
para que a gente cumpra nossas promessas íntimas. E os adiamentos viram um
hábito, um costume confortável e silencioso. Vamos nos acostumando a perder
instantes preciosos, como se houvesse sempre um amanhã garantido.
Talvez seja por
isso que a delicadeza seja tão revolucionária: porque ela pede presença. Bordar
a vida - como quem dá ponto em um tecido áspero - exige parar, exige estar ali,
naquele exato segundo. Não dá para bordar no futuro; só se costura no agora. O
fio da delicadeza não aceita o compasso da pressa nem o adiamento das
prioridades do coração.
É curioso como,
quando olhamos para trás, quase sempre nos arrependemos mais do que deixamos de
viver do que daquilo que fizemos. O abraço que não demos, a palavra que não
dissemos, a visita que não fizemos. Quantos encontros guardamos no bolso para
um depois que nunca existiu?
Por isso, talvez
seja hora de um pequeno exercício: reinaugurar os gestos simples, sem
calendário marcado. Borde companheirismo no presente. Borde atenção na conversa
de agora. Borde cuidado no toque, no olhar, no tom de voz. Porque a vida não
avisa quando muda de cor; ela apenas muda.
O depois é sempre
incerto. Ele mora num lugar onde ninguém esteve ou conhece. É como um horizonte
que parece perto, mas nunca se alcança. Já o agora - este minuto exato - é o
tecido disponível, um tecido muitas vezes áspero, mas vivo. E nele dá para
costurar delicadezas.
Que a gente
aprenda a não esperar tanto. Que tenhamos a coragem de ser simples e gentis
agora, antes que a vida nos escape por entre os dedos, deixando apenas a poeira
dos “depois” que nunca vieram.
Uma linda tarde de Sábado pra você.
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